Três línguas essenciais para um astrônomo

Eu não me considero um cientista muito experiente. Comecei minha carreira como um astrônomo amador por volta de novembro ou dezembro de 2011, meu contato com a academia data de meados de 2008 (na época eu estudava engenharia, e foi nesse ano que fiz minha primeira pesquisa científica), mas meu interesse por astronomia (e outras ciências) já é um caso bem antigo: desde criança eu gostava de ler sobre a mesma e outros assuntos como anatomia ou zoologia.

No entanto, eu posso dizer que os poucos mais de dois anos nessa carreira me proporcionaram experiências interessantes e valiosas sobre a carreira de um astrônomo (ou astrofísico). E eu quero compartilhar algumas delas aqui, de uma forma relativamente direta e simples, mais especificamente sobre o que eu chamo de as três línguas essenciais para um astrônomo (facilmente extensível para outros cientistas). Elas são relativamente óbvias, e talvez você já deve saber quais são.

Matemática

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A concha de um Nautilus é um exemplo natural de uma espiral logarítmica (Museu de Delfzijl, Países Baixos, arquivo pessoal)

É, eu sei, me desculpe por dar uma de Capitão Óbvio, mas eu arrisco em chutar que é provavelmente a mais difícil de todas. Vindo da engenharia, eu sou forçado a admitir que luto diariamente e intensamente com a capacidade de abstração, raciocínio e astúcia que são necessários para resolver os quebra-cabeças do universo. Não sei quanto a você, mas eu acho muito difícil não sentir uma pontinha de inveja de quem consegue ser bom em matemática.

Situações aparentemente simples e corriqueiras como, por exemplo, determinar a trajetória de um projétil sob a influência da gravidade, conseguiram fazer este que vos fala suar balas de chumbo tentando minimizar a ação de um sistema e calcular a bendita da lagrangiana (mecânica clássica/avançada II: se você estuda física e ainda não fez essa matéria, melhor já ir se preparando psicologicamente para o martírio).

Física teórica e matemática em si necessitam de bastante capacidade de abstração. Mas para carreiras mais aplicadas, como a astronomia, eu recomendo que você busque afiar a sua mente nos quesitos astúcia e raciocínio. Em palavras mais concretas: por astúcia, eu quero dizer a intuição para transformar problemas que parecem ser muito complicados em pedaços mais simples, uma espécie de compartimentalização, ou utilizar atalhos que podem tornar os cálculos menos penosos. Exemplos bem práticos: a famosa expansão de Taylor, muito útil para analisar o comportamento de funções, ou séries de Fourier. Lembre-se que, na pior das situações, você pode apelar para a ignorância e recorrer ao cálculo numérico.

Uma dica que eu acho bastante importante e que vejo poucas pessoas praticando (até mesmo estudantes experientes) é que, se exigirem que você resolva um problema analiticamente, mas você não tem ideia de como proceder a partir de um certo ponto ou não consegue nem ao menos traduzir uma ideia para uma equação, métodos numéricos são uma forma de você adquirir um conhecimento até então inacessível, e que podem lhe fornecer a intuição necessária para continuar.

Inglês

Novamente, eu sei que estou dando uma de Capitão Óbvio, mas sejamos honestos, está na hora de falar sobre esse elefante dentro da sala. Aliás, esta expressão [elefante na sala] vem do inglês, porque eu não lembro de nenhuma expressāo similar em português: todo mundo vê e está consciente do problema, mas parece que ninguém quer falar sobre o assunto muito menos levantar o traseiro pra fazer algo a respeito.

Gostemos ou não, o inglês se tornou uma das línguas oficiais da astronomia, então se você ainda alimenta o velho protecionismo linguístico ou luta quixotemente contra o fantasma da dominação norte-americana, sério mesmo, você andou morando em qual caverna nos últimos 5 anos?, já está na hora de rever suas prioridades.

Muita gente me pergunta como eu fiz para aprender inglês, e nesse ponto eu tenho que dar uma resposta meio decepcionante. Eu simplesmente tive muita sorte, porque aprendi da maneira mais inocente possível: me divertindo. Eu tenho 2 grandes paixões que datam de minha infância: videogames e leitura. Por volta dos 11 anos de idade, quando comecei a ter aulas de inglês básico na escola (pública), aproveitei para começar a tentar entender textos em inglês com a ajuda de um dicionário que tinha em minha casa, e quando a internet chegou, o aprendizado cresceu exponencialmente até culminar em fluência por volta de uns 2 ou 3 anos atrás. Não existe muito segredo para aprender uma língua. O que eu costumo recomendar é a imersão: construa um ambiente na língua que você quer aprender, consuma a língua avidamente e frequentemente, pratique todo dia, faça contato com outras pessoas que falem o idioma ou tenham interesse em praticar.

Outra coisa que me perguntam bastante é sobre exames de nivelamento, como o TOEFL e o IELTS. Eu conheço apenas o TOEFL, então falo de minha experiência com ele. Esse teste irá avaliar tudo: leitura, escrita, audição e fala (eles gravam a sua voz). As questões envolvem situações do cotidiano e conhecimentos básicos. O que eu recomendo é que você leia bastante para praticar interpretação, escreva parágrafos ou pequenos textos, assista séries e/ou vídeos e ouça músicas em inglês para se familiarizar com a língua e imergir. Em último lugar, mas não menos importante, pratique a fala, nem que seja sozinho; mas não somente a fala em leituras de textos, mas sim a expressão, a sua capacidade de comunicação. Os avaliadores (e as pessoas em geral) não costumam se importar muito com sotaque (desde que não torne o entendimento impossível), até porque ele dá um certo toque de personalidade e às vezes é até agradável; o que faz a diferença é a sua habilidade em expressar suas idéias, de transformar pensamentos em fala. Concentre-se nisso!

Programação

@ Westerbork Synthesis Radio Telescope (arquivo pessoal)

 

Essa foi óbvia também? Talvez. É um outro elefante na sala? Certamente. A invenção dos computadores, máquinas capazes de fazer cálculos repetidamente com eficácia e sem erros (desde que estes não sejam induzidos), caiu como uma bênção divina sobre a lapela dos cientistas, que constantemente lidam com cálculos. Ao contrário dos humanos, computadores não ficam entediados, nem reclamam de rotinas repetitivas e que não vão levá-los a lugar algum, muito menos organizam greves exigindo melhores condições de trabalho. No entanto, nos últimos anos, aconteceu uma inversão de valores: os humanos, que antes eram usuários, se tornaram as máquinas!

Permita-me ilustrar este paradigma através do método socrático: quando foi a última vez que a sua mãe programou um computador para te enviar mensagens pontualmente todas as manhãs para lhe lembrar de usar um casaquinho e se alimentar bem? Vou aproveitar o seu silêncio para fazer uma outra pergunta: quando foi a última vez que a sua [a mesma] mãe acessou a rede social do Sr. Zuckerberg? Acho que agora você pode enxergar aonde quero chegar. Essa situação não só é válida para a seus irmãos, tias, amigos e seu cachorro, talvez seja mais útil plantar a semente da dúvida do seu lado do jardim: quando foi a última vez que você foi um usuário de computadores, e com qual frequência você é a máquina? Veja bem, ao invés de postar na sua linha do tempo a sua revolta com o mundo e alimentar o banco de dados da internet com informações que serão usadas contra sua vontade para empurrar no seu colo os últimos lançamentos redundantes e programadamente obsoletos do mercado de consumo, talvez você pudesse canalizar essa energia e tomar um posicionamento mais pragmático em vista de seus problemas… por exemplo, não sei, talvez… programando!

Note que estou partindo de uma premissa predominantemente filosófica para defender o meu argumento de que nós (estudantes, professores, cidadãos, políticos) não usamos todo o poder que essa maravilhosa invenção que é o computador nos oferece. Do que adianta você comprar aquele Alienware foderástico de 6 mil reais se você vai usá-lo para nada mais e nada menos que jogar o último Call of Duty e postar um seco “feliz aniversário, felicidades!” na linha do tempo daquele seu conhecido (porque, sejamos honestos, ele não é realmente seu amigo) cuja voz você já nem lembra mais como é? Que tal botar essa placa de vídeo e processadores de 8 núcleos para trabalhar para você?

Mas chega de filosofia. Partamos para uma visão mais prática da situação. Eu me lembro de que, quando entrei no curso de Física na Unifei, uma das perguntas que eu mais fazia para os professores envolvidos com pesquisa de ponta era: qual linguagem de programação você recomenda que eu aprenda? Apesar de a maioria dos astrônomos usar linguagens como IDL e Fortran, a resposta foi praticamente unânime: Python. E é uma ótima resposta. Python é uma linguagem extremamente maleável, livre de “burocracias” e com uma pletora de pacotes úteis e funcionais, com a desvantagem de não ser muito rápida (já que é interpretada ao invés de compilada). Outras linguagens que também já me foram recomendadas foram C e Ruby.

Um outro ponto interessante sobre a programação é que ela, de uma certa forma, liga as linguagens que eu citei anteriormente: a matemática e o inglês. Não só pelo fato de que você certamente vai resolver problemas matemáticos numericamente com seus programas, e que estes são baseados em expressões imperativas em inglês (if, then, else, for, while, do…), mas principalmente porque você, quando se deparar com alguma dúvida, terá que buscar respostas em livros e fontes de informações que certamente estarão em inglês, visto que a literatura sobre o assunto em português, no mínimo, deixa a desejar. Mas não deixe que isso seja uma limitação, lembre-se de tomar uma posição pragmática: use esse contra-tempo em seu favor e treine seu inglês.

Pessoalmente, eu posso dizer que, de novo, tive sorte em ter muita facilidade para programar. Não obstante, eu acho mais fácil e conveniente começar a montar a resolução para um problema numericamente, com um programa, pois me ajuda a construir um modelo matemático analítico (este útlimo, que, pelo bem ou pelo mal, ainda é mais ou menos a regra geral entre os dinossauros do ensino no Brasil, a mesma mentalidade que lhe repreende quando, por exemplo, você cita um artigo da Wikipedia).

Mas no fim das contas, não importa qual a linguagem que você escolheu, se tem facilidade para programar ou se prefere resolver seus problemas com papel e caneta, o importante é programar, é usar a ferramenta, é ser o usuário ao invés da máquina. Em qualquer, em qualquer canto, a qualquer momento, não hesite: programe. E aproveite para afiar a sua lâmina em matemática e inglês, tudo ao mesmo tempo.

 

3 Respostas para “Três línguas essenciais para um astrônomo

  1. Olá Leonardo, eu sou terceiranista do ensino médio e desde sempre quis entrar no curso de astronomia do IAG/USP, eu sei que é uma carreira difícil e eu até pensei em mudar, mas no final das contas eu sinto que eu não devo e não quero mudar.
    Eu gostaria de saber se o senhor tem algum conselho para mim, também qual foram suas dificuldades principais durante o curso, se não for muito incomodo, claro.
    Grata desde já, Geovanna Favilla.

    • Oi Geovanna. Bom, a carreira de astrônomo ou astrofísico realmente não é fácil. Acho que a maior dificuldade é, no fim das contas, ter um emprego, ou pelo menos poder se sustentar fazendo astronomia. O mercado de trabalho é bastante seletivo. Mas se tem uma coisa que eu acredito, é que se você é bom no que faz e tem motivação, certamente tem alguém no mundo disposto a te dar uma oportunidade.

      Outra dificuldade que eu acho importante ressaltar é que, na carreira acadêmica, os cientistas frequentemente encontram problemas pra manejar o seu tempo e separar a vida pessoal da profissional. Mas isso é algo que a gente aprende a lidar com o tempo.

      Em relação ao curso em si, eu não sei dizer muito bem. O grau de dificuldade varia de pessoa para pessoa, do quanto você aprendeu no nível básico e da sua facilidade com física/matemática. Eu passo longe de ser um aluno exemplar, mas eu tento compensar isso me esforçando ao máximo para aprender e explorar diferentes rotas.

  2. Obrigada senhor Leonardo, é realmente bom conseguir um parecer de alguém da área. Vou me esforçar e tentar a carreira de qualquer forma.
    Agradeço uma vez mais pela atenção, boa sorte e não deixe de atualizar o blog por favor ;D

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