Como colimar um telescópio newtoniano sem gastar uma fortuna

Astrônomos amadores (principalmente os brasileiros) vão entender: fazer astronomia custa muito, MUITO caro. Os telescópios com melhor custo benefício para iniciantes custam entre 800 e 1500 reais. Já os equipamentos mais robustos podem ser mais caros que um carro! A coisa fica ainda mais impressionante se você quiser fazer astrofotografia: uma boa câmera DSLR custa mais de 2 mil reais, enquanto que uma CCD profissional passa dos 4 mil reais. Para sanar esse tipo de problema, os menos afortunados recorrem a técnicas mais rudimentares de astronomia, como, por exemplo, acoplar uma webcam no telescópio.

O problema é que telescópios, assim como qualquer outro equipamento manufaturado, precisa de manutenção periódica que, obviamente, também é muito cara. Só para enviar um telescópio para a manutenção em outro estado pode custar quase 100 reais de frete! Eu não tenho ideia do preço dos serviços (porque as manutenções no meu telescópio sempre fui eu mesmo que fiz), mas também não deve ser muito barato.

Um dos problemas mais comuns em um telescópio é que de vez em quando os espelhos podem se desalinhar. Isso acontece naturalmente, principalmente se você transporta bastante o seu equipamento. Colocar os espelhos de volta na posição certa é um processo chamado colimação. Você vai notar que seu telescópio precisa ser colimado se os objetos observados estão distorcidos em uma direção, ficando parecidos com cometas.

Simulação de um objeto (por exemplo, um planeta) observado em um telescópio colimado (esquerda) e um com espelhos desalinhados (direita).

Existem várias técnicas diferentes para colimar um telescópio. As ferramentas mais utilizadas são a ocular colimadora e lasers. No entanto, você vai novamente esbarrar no problema dos custos: a ocular custa cerca de 50 dólares lá fora, e dá para achar algumas por 75 reais aqui no Brasil; já o laser colimador custa uns 70 dólares, e aqui no Brasil deve passar dos 100 reais. O meu telescópio precisa ser colimado a cada ~6 meses, então para mim não compensa investir tanta grana em ferramentas que eu vou usar apenas 2 vezes por ano.

Foi por isso que eu decidi colimar o meu telescópio da maneira mais barata possível: gastando zero reais. E acredite, os resultados são tão bons quanto se o serviço tivesse sido feito pela NASA. O que eu precisei foi:

  • Algumas ferramentas básicas: chaves Phillips/allen/de fenda/de boca, régua, papel, caneta, prego etc.
  • Conhecimento sobre a estrutura do telescópio: antes de começar qualquer coisa, procure saber como funciona o seu telescópio, os nomes das peças, o posicionamento dos espelhos e tudo mais.
  • Tempo de sobra: dependendo do estado de desalinhamento dos espelhos, talvez você precise de dias (ou noites) para colimar o telescópio
  • Paciência: sério mesmo, precisa de uma quantidade substancial
  • Dedicação: colimar um telescópio é como fazer uma cirurgia, necessita de bastante atenção e precisão

É importante saber que a colimação de um telescópio consiste basicamente de dois passos: a correção grosseira (que exige mais dedicação e conhecimento) e o ajuste fino (que exige mais paciência e precisão). Dependendo da sua necessidade, talvez não seja preciso o ajuste fino.

Correção grosseira

Collimator cap

Improvise um collimator cap. Ele é necessário para você conseguir alinhar a sua visão com o exato centro da diagonal (local onde entra a ocular). Você pode pegar uma tampa de plástico do tamanho certo e fazer um furo com um prego no centro (use uma régua precisa para encontrá-lo), ou então fazer do modo ogro como eu fiz: peguei um dos caps de proteção que vieram com o telescópio e fiz um pequeno furo nele mesmo.

Identifique qual dos espelhos está desalinhado. No caso de telescópios newtonianos, estes têm dois espelhos: o primário e o secundário. Para saber qual deles está com problemas, observe na diagonal (sem uma ocular) através do collimator cap. Você pode ver 3 coisas diferentes:

1. Espelhos perfeitamente alinhados; 2. Espelho primário desalinhado; 3. Ambos espelhos desalinhados. Crédito: Andy Raiford

Raramente você vai precisar colimar o espelho secundário, porque é o primário que se desalinha com mais frequência. Portanto, não toque nos parafusos do secundário a não ser que seja necessário!

Marque o centro do espelho primário (opcional). Este passo exigirá que você desmonte completamente o telescópio. Não é um processo simples, e provavelmente é a parte que vai tomar mais tempo na correção grosseira; no entanto, é interessante para entender a estrutura e o funcionamento do seu telescópio, além de proporcionar a chance de limpar o espelho primário (com um pano de microfibra e/ou solução limpadora de lentes). Use uma régua precisa ou crie um método para identificar o exato centro do espelho e cole algum marcador neste ponto. Isso não vai afetar o funcionamento do telescópio, e permitirá que você identifique o centro do espelho durante o processo de colimação.

Alinhe o espelho secundário (se necessário). O ajuste é feito nos parafusos localizados na face externa da aranha, exceto o parafuso central, pois é ele que segura o espelho na aranha; portante, nunca mexa nele, a não ser que seja necessário torcer a posição do espelho. Dedique o seu tempo a entender como os parafusos mudam a posição do espelho, pois não é muito intuitivo. O secundário estará perfeitamente alinhado quando você conseguir enxergar as 3 travas que seguram o espelho primário no fundo do telescópio.

Alinhe o espelho primário. O ajuste é feito nos parafusos no fundo do telescópio, e normalmente há 6 deles, agrupados de 2 em 2. Em cada dupla de parafusos um faz o travamento e o outro faz o ajuste em si. Você deverá afrouxar o parafuso de travamento antes de começar o ajuste, e lembre-se de nunca afrouxar todos os parafusos ao mesmo tempo! O seu objetivo é alinhar o centro da aranha com o centro do espelho primário, e é aqui que o passo opcional da marcação encontra sua utilidade. Novamente, dedique seu tempo a entender como os parafusos movimentam o espelho, e jamais aperte-os excessivamente!

Detalhe dos parafusos que ajustam os espelhos de um telescópio newtoniano

Ajuste fino

Relaxe. Escolha um fim de tarde de sexta ou sábado para fazer o ajuste fino. Não faça isso com pressa, pois pode ser improdutivo e até mesmo piorar o estado de desalinhamento dos espelhos! Tire as crianças de perto, pois talvez você xingue bastante (o que é bom para aliviar a tensão).

Escolha uma fonte de luz. Pode ser uma estrela, desde que você more no hemisfério norte (Polaris) ou tenha um bom sistema de tracking de objetos no céu. No entanto, eu recomendo fortemente que você escolha uma simples fonte de luz distante, como no alto de antenas de rádio ou celular, que normalmente ficam em topos de morro. A segunda opção ainda tem a vantagem de poder ser feita quando o céu está fechado. Centralize a luz no seu telescópio e, caso não seja uma estrela, certifique-se que ela pareça ser uma (fonte pontual de luz). A cor da luz não faz diferença nos resultados, mas vermelha é melhor por não cansar a visão.

Avance a focalização até formar um padrão de interferência. Você irá observar algo mais ou menos assim:

Ajuste fino através do star test. Esquerda: necessita de colimação; direita: alinhamento perfeito

Ajuste o espelho primário. Nessa etapa, quanto maior a magnificação da ocular, mais preciso será o ajuste. Se o padrão de interferência não estiver centralizado, você precisará ajustar os parafusos do espelho primário até que a imagem esteja como na simulação acima. O problema é que quando um parafuso é rotacionado, a imagem irá  se desviar do campo de visão, então faça todos os movimentos bem lentamente para não perder o objeto de vista. Se você perdê-lo, vai dar bastante trabalho para encontrá-lo de novo, porque quando você mexe no espelho primário, este se desalinha da buscadora.

A etapa final exige muita paciência porque centralizar o padrão de interferência não é nada fácil. Lembre-se de prestar atenção em como os movimentos nos parafusos movimentam a imagem. Na minha primeira tentativa, eu perdi o objeto de vista várias vezes, e acabei levando algumas noites para conseguir uma colimação satisfatória. No entanto, ganhei bastante experiência, e da última vez que colimei meu newtoniano, levei menos de 1 hora e o resultado ficou impecável.

Se tudo der certo, você vai ter um telescópio newtoniano perfeitamente colimado e não terá gasto 1 centavo em ferramentas caras que talvez você use menos de 10 vezes em sua vida. É claro que o preço a se pagar é o tempo e sua paciência, mas o conhecimento adquirido ao desmontar o seu telescópio, entender o seu funcionamento e sua estrutura, conseguir montá-lo de novo e fazê-lo funcionar melhor do que antes é uma grande conquista, uma experiência que eu recomendo a qualquer astrônomo.

Esta técnica, apesar de funcional, está longe de ser perfeita. Se você notar algum erro ou tiver uma ideia legal para adicionar a este tutorial, fique à vontade para falar nos comentários!

7 Respostas para “Como colimar um telescópio newtoniano sem gastar uma fortuna

  1. Olá, Leo, estou tentando colimar o meu tele.Ele é um newtoniano de 76 mm.Se caso, eu não conseguir, você conhece alguém em Belo Horizonte que faça colimações em telescópios?Obrigada pela atenção.

  2. ola amigo seu tele e uma celestron Telescópio Powerseeker 127EQ eu tenho um tem que tirar a lente realy que fica dentro do focalizador para colimar

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